O karma existe. Tenho provas. Trabalhar muito e bem compensa. Ganhei uma espécie de prémio "empregada do trimestre" e ofereceram-me uma experiência. Eu podia ter passado a semana inteira num sítio barato, mas o que eu queria era fazer uma coisa que não me permito fazer no dia a dia. Portanto, marquei uma noite e uma refeição de luxo para dois no Yeatman, em Gaia.
Chegada ao hotel. Envio uma foto ao meu chefe:
I suddenly feel the need to work harder when I get back to win another thank you award.
O hotel em si é espantoso, uma garrafeira enorme (não fosse o Yeatman um hotel vínico), cada piso seguindo um tema e funcionando quase como museu (um piso com mapas do século XVI, outro com a história do vinho do porto,...), quartos virados para o rio, confortáveis e temáticos também, cada um "patrocinado" por uma marca de vinhos portuguesa. O hotel é lindo e vale a pena perder tempo a percorrer os corredores para ver a arte.
Passámos a tarde na piscina interior, vimos de longe o ginásio bem apetrechado, recebemos uma massagem de mãos (oferta), fomos beber qualquer coisita ao bar. Às nove sentámo-nos no restaurante, onde degustámos A Grande Experiência Yeatman. Para quem aprecia muito vinhos e sabe degustá-los, há um suplemento de vinho para cada prato. Nós pedimos conselhos à escanção e ficámo-nos por dois copitos. O João adorou o Quinta da Romaneira Reserva 2008 (tinto).
Vou ser clara. A estrela Michelin é merecida. Alguns elementos não eram para mim, porque não aprecio moluscos ou bivalves em geral (excepto vieiras!), mas reconheço que a confecção era impecável, as texturas suaves.
Começámos com as boas-vindas do chef. No pote uma mousse de percebes, na colher um mexilhão, uma terrina, rabo de boi, foie gras com pele crocante de frango. Estrela: macaron de morcela. O doce do macaron contrastava com o salgado... Incrível.
Lamento informar que falhei e não fotografei a segunda boa-vinda: um jardim. Um copo que tinha "terra", "ervas", legumes e... um caracol. Devo ter ficado tão abalada com a visão, e simultaneamente impressionada com os "tomates" do chef Ricardo Costa, que me esqueci de pôr a máquina a funcionar. Foi o único elemento de toda a refeição que não provei: comi o jardim, deixei o bicho para o João.
Seguiu-se o camarão do Algarve marinado, sorvete de yuzu e caldo de pepino. Três texturas (marinado, o camarão inteiro e um carpaccio) num prato simples que continuou a fazer-me sorrir, principalmente quando fiz explodir a esfera branca e pude molhar o marinado no que parecia ser uma nata ligeira.
Uma explosão de sabor com o suculento lavagante nacional glaceado com caldo de ostras acompanhado com uma terrina surpreendente de enguia e foie gras e um torresmo.
Uma alegre e "fofinha" salada especial de vieiras, carabineiro e salmonete. Cheia de legumes pequeninos pequeninos, al dente, com um dos meus ingredientes favoritos (vieiras!). Potencialmente o meu favorito.
Cherne sautée com crosta de tomate, lula recheada e molho de manjericão. Uma crosta salgada e forte, peixe suculento, uma polenta suave quase em textura de pudim, um torresmo de pele de peixe, funcho.
A primeira SURPRESA do chef, um prato que não estava no menu e recriando um prato tradicional: ervilhas com ovos! Ovo escalfado lentamente com puré de ervilhas (e algumas ervilhas al dente), espuma de espargos e pancetta estaladiça. Não sou super fã desta textura de ovo por isso não raspei o prato, mas fiquei boquiaberta com esta inovação.
Um lombinho de vitela com pimentas, ravioli de aves e molho de pistáchios. Outro elemento que adoro: pistáchios. Um ravioli muito interessante, um cogumelo que nunca tinha visto na vida e quase parecia uma mini-trufa. Tinha uma textura que me incomodou levemente, mas o sabor era incrível.
Ganache de foie gras de Landes com gelado de iogurte salgado e brioche trufado. Gosto de foie gras mas em pequenas quantidades como complemento de outro ingrediente. Este prato era um pouco forte demais para mim e passei-o ao João ao fim de algumas colheradas (ele não se importou nada e era capaz de fazer uma refeição só daquilo). Ganache suave, leve, aveludada, com uma fatia para contrastar...
A segunda SURPRESA do chef, pré-sobremesa. Um prato de queijo. O triângulo era pão tipo brioche, muito delicado, a meio uma tostinha de pão com azeitonas, um queijo forte amenteigado, um queijo suave quase em creme, cubos de abóbora e... Suspiros. É verdade. Mudou tudo - estava ali a estrela.
A sobremesa: uma esfera de chocolate, mousse de tangerina e caldo de côco. Pétalas de flores que complementavam a mousse e tudo complementava a esfera, inclusivamente o vinho do porto vintage que me sugeriram.
Uma recriação espantosa de um clássico porque a esfera... Era uma bomboca!
Para terminar, para acompanhar a infusão do chef e o café, mignardises. E uma grande felicidade por o João estar a abarrotar e só comer uma delas. Crocante de chocolate, crocante de amêndoa (ou outro fruto seco - o meu palato já não se recorda!), o quadrado era uma quase gelatina, ganache, macarron.
Só tive pena de não ficar mais tempo para ir à piscina, para ir ao spa, ao ginásio, à garrafeira, para ficar sem fazer nada na varanda do quarto a olhar para o Douro. Para ir provar outras coisas ao restaurante.