Último dia do Restaurant Week. A noite começa com uma pancada nas minhas costas, a caminho do restaurante. Que raio? Uma pedra? Terá sido um carro que, a passar com mais velocidade, lançou uma pedrita que me acertou? Não. Teria doído, mas não doeu - senti apenas um impacto. Olhei para cima. O João, enojado, oferece-se carinhosamente - apesar do esforço para combater o vómito - para ir lavar a cagadela à casa de banho do restaurante. Sempre ouvi dizer que dava sorte e a noite de facto correu bem, por isso suponho que seja verdade.
O Aura tem um espaço muito simpático, refinado e com uns toques de Lisboa antiga nas arcadas.
O empregado tardou a vir oferecer o "cóvér" (apeteceu-me perguntar "e o que é que há?") - os molhos e manteigas não convenceram. Estava também distraído e nem me perguntou que tipo de pão eu queria, nem me ouviu a pedir o pão com sementes de papoila. Pôs um qualquer no prato, substituindo-o depois de eu me convencer a falar mais alto. Minutos depois chegaram as entradas, que podiam ter esperado mais uns minutos para de facto provarmos com calma o "cóvér".
Cesto de parmesão com espinafres frescos, bacon estaladiço e molho de iogurte. Um cesto bonito e inovador que pecou por ter sido feito com demasiada antecedência. Seria simpático estar mais estaladiço, mas era quase impossível falhar com bacon!
Casca de mexilhão gratinado em broa de milho tostada e lima caramelizada. Como as restantes entradas, a dose era bem servida. Não provei devido à aversão por bivalves em geral, mas diz que estava bom. Uma sorte terem servido o mexilhão e não só a casca (piada fácil!...).
Sopa de peixe, croutons aromatizados. Era um bom caldo de marisco com peixe - mas os chefs ou as pessoas que formulam o nome dos pratos só ganhavam em dar-lhes nomes adequados, evitando assim que o cliente fique desiludido ou estranhe o sabor, por estar a preparar o palato para uma coisa que não vai provar.
Bochechas de porco preto em vinho tinto com migas de espargos selvagem. Bochechas tenrinhas (mas não tanto como as da Quinta dos Frades), molho denso, migas extraordinárias que fizeram lembrar a Adega do Alentejano em Évora.
Posta mirandesa com couve tronchuda e broa de milho. Carne deliciosa e legumes muito bem temperados. Reconfortante, convenceu-me a voltar um dia.
Filete de dourada recheado com legumes, batata doce. Apesar de saboroso, não era nada que não se conseguisse fazer em casa. Não impressionou.
aura emotion. Um suspiro e creme de chocolate. Muito bom, mas não ao ponto de nos fazer suspirar (outra piada fácil...).
Sinfonia de creme brulé. O pote da esquerda decorado com mirtilos, o do meio com physalis, o da direita com framboesas. Que engraçado, disse eu. Sabe mesmo a mirtilo. E o do meio, tão interessante. Mas não deve ser physalis, porque não tem essa acidez... Humm, já penso sobre o assunto. E o da direita, que giro, sabe mesmo a framboesa.
Uma textura cremosa, mas talvez pesada demais para um prato de três degustações (ou as doses deveriam ser menores aqui). O do meio assombrava-me. Mas o que é? Colher aqui, colher ali, desfaz o creme no palato com a ponta da língua. E de repente fez-se luz. É avelã. Sim, é avelã. O Paulo concorda comigo.
O empregado vem levantar os pratos e, só para confirmar, perguntamos: o do meio, o mais escuro, era de quê? O das "bolinhas", diz ele, era de baunilha, o escuro era chocolate e o com as framboesas era de frutos vermelhos.
Fiquei confusa. Chocolate? Mas eu teria reconhecido esse sabor... Ou não? Mas talvez não deva acreditar na palavra de uma pessoa que chama "bolinhas" a mirtilos. Quanto ao terceiro, não estava muito longe da verdade. Mas como pude confundir baunilha com mirtilos e chocolate com avelã?
Uma noite a ficar na memória, que mais não seja por ficar escandalizada com o discernimento do meu palato.